domingo, 27 de setembro de 2009

As perguntas sem respostas.


Tenho enfrentado momentos díficeis em minha vida que tem me afastado muito de meus relatos e de meus escritos, mas penso que sairei muito mais forte desta batalha que já tem destruido muito de mim. Durante estas agruras tudo que tenho me esforçado para descobrir, é a resposta para uma pergunta insistente que eu mesmo nunca ousei me perguntar: "Quem sou eu?" Esta questão, apesar de nunca ter me incomodado, de nunca ter tomado muito do meu tempo, agora o tem feito de uma forma dura e impiedosa. Este blog não tem nada de moderno, nem nada de ultrapassado, mas tem muito de vida, de uma intimidade que quer ser dividida, que quer ser inteira, e como agora assim me percebo, assim me enxergo, não posso fazê-lo de outra forma, que não seja dividido com o silêncio deste blog. É um silêncio que muito me agrada, que não me faz sozinho, que me traz uma contemporaneidade que não encontro em lugar algum, e essa contemporaneidade me faz viver, me faz viver essa ingnorância que é tão atual.

Não sou dado à plágios, mas encontrei uma reposta em um texto de Clarice Lispector que se aproxima de uma resposta que eu mesmo poderia dar a esta pergunta, e aqui o faço.
Torço para que agora não seja mais perguntado sobre o tema. Torço também para logo estar de volta ao meu trabalho de escrita que tanto me alegra. E pra vocês: Clarice.




"Quero por em palavras mas sem descrição, a existência da gruta que faz algum tempo pintei, e não sei como. Só repetindo o seu doce horror, caverna de terror e das maravilhas, lugar de almas aflitas, inverno e inferno, substrato imprevisível do mal que está dentro de uma terra que não é fértil. Chamo a gruta com seu nome e ela passa a viver com seu miasma. Tenho medo então de mim que sei pintar o horror, eu, bicho de cavernas ecoantes que sou, e, sufoco porque sou palavra e também sou eco......para me interpretar e formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se localizem aquém e além de minha história humana. transfiguro a realidade, sonhador e sonâmbulo me crio......o que te escrevo não vem de manso, subindo aos poucos até um auge para depois morrer de manso. Não, o que te escrevo é de fogo como os olhos em brasa......mesmo para os descrentes há o instante do desespero que é divino: a ausência do deus é um ato de religião. Neste mesmo instante estou pedindo a deus que me ajude, mesmo que não acredite que ele o faça. Sou forte mais também sou destrutivo. O deus tem que vir a mim já que não tenho ido a ele. Que o deus venha: por favor, mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieto áspero e desesperansado. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor não. Às vezes me arranham como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim eu recebi e continuo inquieto é porque preciso que o deus venha. Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei assim como se come e se vive o gosto da comida. Minha voz cai no abismo do teu silêncio. Tu me lês em silêncio. Mas nesse ilimitado campo mudo desdobro minhas asas, livre para viver. Então aceito o pior e entro no âmago da morte e para isto estou vivo......preste atenção e é um favor: estou te convidando para mudar-se para reino novo, o deconhecido......escrevo-te tudo isto pois é um desafio que sou obrigado com humildade a aceitar. Sou assombrado pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico, a vida é sobrenatural. Eu caminho em corda bamba até o limite do meu sonho. As vísceras torturadas pela voluptuosidade me guiam, fúria dos impulsos. Antes de me organizar tenho que me desgornaizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me......mas não sei como captar o que acontece já, senão vivendo cada coisa que agora e já me ocorra e não importa o quê. Deixo o cavalo correr livre de pura alegria nobre......o que sou neste instante? Sou uma máquina de escrever fazendo ecoar as teclas secas na úmida madrugada. Há muito já não sou gente. Quiseram que eu fosse um objeto. Sou um objeto. Objeto sujo de sangue......mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer, e respondo a toda esta infâmia com exatamente isto que vai ficar escrito, e respondo a toda esta infâmia com alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas, porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste..."

quarta-feira, 5 de agosto de 2009


40 anos de morte de Theodor Adorno

Estamos no ano dos cinquentenários pelo que me parece. Depois de comemorarmos os 50 anos da revolução cubana, ou de seu desfecho, lembrança marcante em minha vida e na de qualquer ser que se atreva a se envolver com a situação politica regional ou mesmo mundial, nos deparamos agora com outra data de importância para a cultura mundial, principalmente para a sociologia,não se tratando de um cinquentenário, mas de uma data aproximada: os 40 anos do falecimento de THeodor Adorno. Neste dia 06 de agosto serão contabilizados os 40 anos de falecimento de Theodor Adorno, mas uma data de grande importância que parece passará despercebida pela sociedade pensante, e pela nem tão pensante assim, mas que deveria ser envolvida pelos meios de comunicação, e por suas agendas settings.
Alguns devem se perguntar quem foi, e o que fez este Adorno para que tenha uma relevância em artigo neste blog, e garanto-lhes que não foi o que ele fez, nem mesmo quem ele foi, mas a realidade advinda de suas pesquisas e o quadro social atual, maracam não só uma conjuntura, mas fazem deste Adorno uma das maiores figuras, umas das mais emblemáticas de um século que foi marcante em revoluções sociais, como também o foi em revoluções tecnológicas: o século XX.
Adorno com seus estudos na escola de Frankfurt, e sua perseguição, não só dele, mas de Walter Benjamim, Horkeimer e de tantos outros,pela policia secreta alemã, fizeram descobertas no campo da sociologia, ou da psicossociologia, que mudaram a maneira de ver o mundo e de verificar a comunicação como ciência isoloda da sociologia. Foi devido a perseguição alemão que Adorno e os outros pensadores da escola de Frankfurt se refugiaram em países da Europa, para depois encontrarem um cenário propício para suas pesquisas em sociologia: os E.U.A. O cenário norte-americano propicicou aos pesquisadores o ambiente necessário para a continuidade de suas pesquisas, o que fez com que Adorno evoluísse em pesquisa e tornasse suas teorias mais conhecidas do meio acadêmico. Estranho ou não, Adorno trabalhou arduamente dentro do espaço geográfico que abriga hoje a maior fábrica de produtos culturais do mundo.
Com seus conceitos quanto a indústria cultural e as teses a respeito da cultura, transformaram uma ótica objetiva que permanecia atravessada bem no meio de nosso nariz. A partir de seus estudos o mundo percebeu como seus antagonistas funcionam numa relação social que não produzia conteúdo, mas que eram alvo de produtos que eram estimulados por uma razão econômica.
A relevância de Adorno e de seus companheiros fugitivos da escola de Frankfurt para a sociedade atual está exposta bem à nossa frente, todos os dias, em nossas casas, somos hoje em dia, mais alvos da indústria cultural do que éramos no período em que estes homens trouxeram à tona o resultado de seus estudos.
A aplicabilidade do trabalho de Adorno se torna tão contemporâneo quanto a sua ligação com a música erudita o era em seu tempo. Através da utilização de testes de apercepção temática(TAT), fomos colocados diante de uma realidade que nos atingiu em cheio, mesmo que nos mostremos pouco interessados em aceitá-la. A industria cultural tem tanta força hoje por ser aceita como um atributo de uma cultura que já era socialmente corroborada: a "panis et circenses".
É absolutamente relevante a informação desta data e sua publicidade, por tratar-se de um assunto de interesse coletivo, mesmo pouco massificado, pode parecer estranho que o homem que trouxe à tona o conceito de cultura de massa, não tenha suas teorias massificadas, ou popularizadas, se é que é possível tornar popular algum conceito sociológico de relevância, mesmo sendo de uma abordagem psicossociológica.
Espero cumprir com meu papel abordando, e não permitindo que caia no esquecimento, a morte de uma figura tão atual, que permanece viva em seus conceitos e teorias, e que nos traz a reflexão, quanto aos nossos anseios culturais e a produção de respostas para estes sanseios.
Adorno viveu em campo, trabalhou para que compreendessêmos a importância de nosso entendimento enquanto particípes de uma cultura, enquanto pscio-produtores desta mesma cultura. Viveremos quanto tempo sem entender o que nos rodeia, comsumiremos por quanto tempo algo que não sabemos de onde veio e porque veio? Meu intuito aqui não é relatar todas as teorias de Theodor Adorno, mas manter viva a lembrança de quem se interessou pelo coletivo, de quem contribuiu para uma "dialética do esclarescimento", um homem que trabalhou em prol do bem comum e que tem sua obra marcada pela atemporalidade que é característica dos grandes mestres.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

sábado, 1 de agosto de 2009

A violência na mídia.

A violência não está tão longe de nós como imaginamos que ela esteja, nem muito menos está tão perto quanto anuncia a mídia e seus reprodutores. Essa sensação de violência, esse pânico ininterrupto que tem nos levado a crer que não somos mais partícipes de uma sociedade equilibrada, mas que estamos sujeitos ao descompensado juízo da ausência de razão, vem se ploriferenando pelos canais mídiaticos, algumas vezes verídicas, e outras superestimadas. Nossas rotinas são alteradas pelo sensível estímulo da reprodução de uma realidade unitária, de uma realidade única e desprovida de sentido coletivo. A sensação de violência nos proporciona um sentimento de recolha que só favorece a própria violência, que se apropria de espaços que deveriam ser tomados pela sociedade, fazendo do espaço público um logradouro da violência, um templo de praticas delituosas, favorecendo assim a concretização do que antes era só um sentimento, projetando esse sentimento no nosso mundo real.
Não me atrevo a apresentar soluções para a violência nem mesmo buscar uma fundamentação lógica para seu surgimento, mas apenas desmitificar esse cenário que não nos faz informados, mas que só favorece a desinformação, e nos destrói enquanto seres sociáveis. Os espaços que se destinam ao convivio social devem, e podem, ser destinados à sua finalidade primária: o trânsito e permanência da cidadania.
Enquanto permitirmos que estes espaços sejam desocupados e que permaneçam inertes de nossa presença, estaremos colaborando para que os atos criminosos encontrem cenário, estaremos materializando a megalomania midiatica, e construindo uma conjuntura desprovida de soluções emergenciais, fazendo de nossas instituições corpos fálidos.
A ocupação fará com que nós nos permitamos sentir a descontrução dessa sensação de insegurança que foi suplantada pela mídia em nosso dia-à-dia. Sou realista quando somos informados da presença marginalizada da insegurança, mas não podemos permitir que esse status seja corroborado pela nossa ausência.
Estamos vivendo tempos de ocupação total, não contamos com tempo para quase nada, e quando nos sobra esse tempo, construímos um novo sentido de descanso, que não se relaciona com espaços públicos, mas que se destina a construção de espaços cada vez mais unitários, mais individuais. Essa realidade descontrói a lembrança lúdica de infâncias das décadas de 80 e 90, onde podíamos estar em praças e logradouros públicos acompanhados de nossos pares e, enquanto brincávamos, esses mesmos pares davam um novo sentido a palavra descanso; pois, sempre encontravam-se sentados em um banco de praça enquanto, nós crianças, nos ocupávamos de nossa função primeira: a diversão livre e coletiva. Pareço ter colocado um tom saudosista nestas últimas linhas, e ele está realmente presente nestas linhas e em minha memória, pois cada vez vejo menos gente ocupando estes logradouros, enquanto mais gente permanece em suas casas informando-se quanto à lista de locais com maior índice de criminalidade na cidade, mapeando seus passos do dia seguinte, selecionando onde poderão estacionar seus carros e por onde deverão andar para chegarem em casa, sãos e salvos, no dia seguinte.
E desde minha infância vi este sentido de descanso ser alterado, pois agora o descanso está isolado dentro de nossas casas, entre nossas grades, e mais seguro entre nossos lençóis, mas sempre lembrando que o descanso não está íntrinsecamente ligado ao sono, pois a mídia tomará conta de nosso sentimento de segurança, mas para isso teremos que estar seguros em nossas casas acomapnhando toda a programação informativa, todos os seriados e aqueles filmes que sempre parecem novidade, mas tem a mesma cara de 60 anos atrás. Fará diferença se estivermos presos em nossas casas, se tivermos trancafiados em nossos territórios, se nos tornarmos menos sociáveis; se não tomarmos conta de um espaço que é nosso, quem tomará?
O sentido de descanso agora se confunde com o sentido de violência, pois agora descansar é sinônimo de solidão, uma solidão que será aplacada pelos comerciais da TV, pois é dela que nos valeremos para ocupar nossa solidão, é ela que nos fará sentir que estamos seguros, enquanto dela estivermos aompanhados, pois por nós ela fará tudo, até pensar ela já pensa por nós, nem precisamos pagar tão caro por isso, só temos que com ela estar o máximo de tempo necessário, pois ela nos dirá quando será seguro sair de casa, pena que essa informação parace nunca chegar, e assim seguimos esperando, enquanto ela continua pensando por nós, enquanto ela nos informa de tudo que acontece, e temos os comerciais que estão sempre lá pra nos vender essas inutilidades nessárias ao nosso dia-á-dia.
Bom para nós, que temos a mídia para nos fazer seguros, e manter as ruas vazias, vazias de marginalidade, vazias de nós mesmos, vazias de diversão, vazias de produção de cultura, vazias de inteligência, pena que continuamos vazios diante dela.

domingo, 12 de abril de 2009

SEXO.

Os seres humanos exibem disformismo sexual em muitas características, muitas não apresentam nenhuma ligação direta com a habilidade reprodutiva, porém a maioria destas característica têm um papel na atração sexual. Auxiliam ou prejudicam na mesma. A maioria das expressões do dimorfismo sexual, nos seres humanos, são encontradas na altura, no peso, e na estrutura do corpo, onde o homem geralmente apresenta portes maiores comparado a sua fêmea, a mulher. Sendo este um dos artificios mais trabalhados e mais valorizados pelos homens em sobreposição aos valores femininos. A mulher habilitar-se-á, sexualmente, sempre por sua fragilidade, visível ou não. Desejará sempre os desejos de ser dominada, entenda-se dominação não por comando mas por posição, contato, aconchego. A mulher, mesmo quando senhora de seus dominios, pretenderá o macho que preencha suas ausências da forma que melhor lhe convenha, optará sempre pela sua ausência, pelo preenchiemnto do seu vazio, o vazio que todos temos, o vazio tão íntimo, que impossibilita definição, ponto comum, mediatriz de um mesmo vazio. Esse vazio é o que buscamos no outro, não o saciamento do desejo, pois esse desjo nasce do vazio, desse vazio nosso, o mesmo vazio que as vezes é preenchido pelo ópio ou pelo baseado sagrado que nos pretende elevar ao nirvana, esse que poderia ser alcançado com o sexo.
A condição de homem é normalmente vinculada ao período da vida após a juventude, pelo menos fisicamente, durante a puberdade, onde esse menino vai definir seu modo de falar, de andar, com quem se familiarizar e como esses contatos serão realizados e mantidos, sob que condições. Um menino é uma criança humana masculina. Para muitos, a palavra homem implica em um determinado grau de maturidade e a responsabilidade que homens jovens em especial não se sentem pronto para tal; contudo, também podem se sentir demasiado velhos para serem chamados de menino, por esta razão, muitos evitam usar o homem ou o menino para descrever um homem jovem e preferem termos mais coloquiais tais como rapaz e gajo. Esses termos tem uma colocação lógica na definição e uso de sua sexualidade, pois é a partir destes termos que o homen se definirá, ou pelo menos definirá seu comportamento sexual, ou seja, quando se colocar em uma definição de submissão, enxergar-se-á como menino, mas quando definir-se como dominador, senhor do seu próprio destino, dono da situação, procriador da espécie humana, jamais se permitirá a definição menino, desejará ser tratado como homem. Assim está nosso corpotamento sexual sempre direcionado pela visão alheia, pois ainda nos inportaremos muito com os olhos alheios, desejaremos não só preencher nosso vazio, mas necessiatremos que esse preenchimento seja visto por terceiros, visto e abalizado por terceiros, sendo este fator propriamente masculino, esse mesmo homem que busca ser tão diferente, termina por diferir apenas do gênero feminino, tornando-se coeso como seu gênero, sendo aborígene do seu grupo. O homem sempre pretendeu ser melhor, enquanto a mulher apenas pretendeu ser, o homem quer sempre ter, e quanto aquela sempre desejou fazer parte.
São essas diferenças que fazem homem e mulher serem tão díspares, mas terem vazios tão iguais e necessitarem de preenchimentos tão similares. Diaga-me que estou errado e te perguntarei o que desejas, encontraremos o mesmo desejo, pois nunca precisarei que me explique seu vazio, apontarás e eu observarei meu próprio vazio.
Assim caminhamos com nossos vazios, acreditando-nos senhores de um prazer ou de uma chave que não conhecemos, que buscamos e não encontramos. Sexo é chave e fechadura, sexo é encaixe, sexo é tudo qu vem antes deste encaixe. Nunca abrirás uma porta se o fizer de olhos fechados, nunca obterás sucesso em teu intento se pensar que todas as fechaduras são iguais, deverás sempre tocar esta fechadura antes mesmo de enxergar o local da chave, permita-se à curiosidade, permita-se ao toque antes mesmo de sensiblizar-se pelo óbvio, pois em sexo não há óbvio.

sábado, 28 de março de 2009

50 anos de revolução cubana.

Passado este primeiro qüinqüênio da revolução cubana, ficamos ainda a pensar quem está melhor informado sobre a real conjuntura político-economica de Cuba em determinado período. A mídia, a mando de bem sabemos quem, não se mostra interessada em mostra a verdadeira imagem da revolução, nem mesmo os verdadeiros resultados. Ao pensar nestes 50 anos de revolução é impossível não pensar na real situação de Cuba há 50 anos, nas marcas causadas por uma relação comercial, desfavorável, com os Estados Unidos, e o quanto isso marcava o povo cubano, com uma extrema disparidade quanto a distribuição de renda, com uma produção de açúcar tão forte quanto a brasileira, mas uma produção de ouro branco que não beneficiava seus verdadeiros donos. Um fator importante a ser relatado é o maior esclarecimento intelectual, que favorecia a organização política dos estudantes e um avanço ideológico e organizativo do proletariado, na qual se deixavam sentir os ecos da Revolução de Outubro na Rússia, que cristalizaria na constituição de uma central operária nacional em 1925.
O bem-estar econômico derivado deste processo – do qual dão testemunho as luxuosas casas de El vedado, além de muito desigualmente distribuído, revelaria uma extraordinária fragilidade. Ele se pôs em manifesto em 1920, quando uma brusca queda no preço do açúcar provocou um crack bancário que despejou com as instituições financeiras cubanas. Pouco depois, quando a produção açucareira do país alcançava os 5 milhões de toneladas, ficou evidente a saturação dos mercados, claro indício de que a economia cubana não podia continuar crescendo sobre a base exclusiva do açúcar. A opção era o estancamento ou a diversificação produtiva, mas essa última alternativa não era possível, pois não era permitido pela monopolização latifundiária da terra e a dependência comercial dos Estados Unidos.
Com este cenário de desigualdades, nasce na comunidade estudantil, fortalecida por ideais comunistas, um desejo de melhorar o que só parecia ser bom aos beneficiados: militares, norte-americanos (não todos é claro), os produtores de açúcar e alguns abutres que estão sempre em busca de uma migalha que lhes favoreça em detrimento do bem comum. Com este cenário que não nos parece tão distante assim de nossas realidades, surgem movimentos pró e contra a política administrativa e repressiva da época, atuando como protagonistas: os estudantes e as lideranças sindicais de um lado, como os militares e burgueses de outro. A corrupção administrativa se complementava com o auspicio de numerosas quadrilhas gângsteres, que os autênticos utilizaram para expulsar os comunistas da direção dos sindicatos em meio a propícia atmosfera da guerra fria. O repúdio à vergonhosa situação imperante foi canalizado pelo movimento cívico político da ortodoxia, cujo carismático líder, Eduardo Chibás, se suicidaria em 1951 em meio de uma fervente polêmica com personagens governamentais. Assim surge em Cuba um ambiente de violência que propiciaria as jogatinas políticas entre militares e necessário cenário de violência, necessário pois foi assim que o povo menos esclarecido percebeu a necessidade de uma intervenção mais rigorosa. Isso ocorre após o surgimento de Fulgêncio Batista ao poder, dando ao regime militar cubano uma visibilidade maléfica maior, o que propiciou o movimento revolucionário que teve inicio em 1953, dando ao mundo um novo ícone: Fidel Alejandro Castro Ruz, um jovem advogado, formado pela faculdade de Havana, cujas primeiras atividades políticas haviam se desenvolvido no meio universitário e às filas da ortodoxia. Preconizando uma nova estratégia de luta armada contra a ditadura, Fidel Castro, como ficou conhecido se pôs à silenciosa e tenaz preparação dessa batalha, dando fim à A inércia e incapacidade dos partidos políticos burgueses para enfrentar o regime batista – ao qual aderiram alguns destes partidos – contrastou com a beligerância dos setores populares, em especial da jovem geração que recém nascia para a vida política.
As ações se desencadeariam em 26 de julho de1953, com os ataques simultâneos aos quartéis de Moncada, em Santiago de Cuba e Carlos Manuel de Cespédes, em Bayamo, concebidos como estopim de uma vasta insurreição popular. Ao fracassar a operação, dezenas de combatentes que foram feitos prisioneiros terminaram assassinados nos famosos paredões de fuzilamento do regime. Outros sobreviventes, entre os quais se encontrava o comandante Fidel, foram julgados e condenados a severas penas de prisão. No julgamento que se seguiu, o líder revolucionário pronunciou uma alegação de auto-defesa – conhecido como La História me absolverá -, no qual fundamentava o direito do povo à rebelião contra a tirania e explicava as causas, vias e objetivos da luta empreendida. Essa alegação se converteu no programa da revolução.
O que segue após este primeiro levante liderado por Fidel é uma desestruturação da organização militar que comandava, à revelia do anseio popular, a política nacional cubana. A desacertada política de ascensões, o estímulo a exaltar o nepotismo, o favoritismo, a bajulação e a falta de preparação técnica e profissional de alguns dos principais chefes e oficiais do exército, constituíram elementos que influíram na decisão de um grupo de oficiais com preparação acadêmica conspirar por melhorar a profissionalidade da instituição. Esses oficiais chamados “Puros” podiam ser localizados principalmente no Acampamento Militar de Columbia, a Fortaleza de Cabana e nas escolas militares. Entre eles se destacavam:José Ramon Fernandez, José Orihuela, Enrique Borbonet, Ramón Barquin, Manuel Varela Castro, entre outros. Uma denúncia provocou a detenção de todos os conspirados e o aborto do plano revoltoso. Uma revolta interna que poderia ter antecipado fatalmente o fim do regime militar cubano, o que era de se esperar, levando-se em consideração o clamor popular.
Diante da impossibilidade de uma luta legal contra a tirania, Fidel foi exilado no México, onde funda alí o MR-26 (Movimento Revolucionário 26 de julho - data do fracassado ataque ao quartel Moncada) com o propósito de organizar uma expedição libertadora e iniciar a guerra revolucionária. Por sua vez, os partidos burgueses da oposição, ensaiam uma nova manobra conciliadora com Batista em busca de uma saída “política” para a situação. O fracasso ocasiona desprestígio junto ao resto da sociedade. Estabelecendo assim uma conjuntura favorável aos anseios dos revolucionários.
Em ferozes combates e batalhas –Santo domingo, El jigüe, Vegas de jibacoa, e outras – as tropas rebeldes derrotam os batalhões da tirania que tentam penetrar na Sierra maestra, local glorioso para a revolução,e os obriga a se retirar.
Esse e o tom definitivo. Os partidos da oposição burguesa, que até então tem manobrado para capitalizar a rebeldia popular, se apressam em reconhecer a indiscutível liderança de Fidel.
Colunas rebeldes partem de diversos pontos do território cubano, entre elas as colunas dos comandantes Ernesto “Che” Guevara, médico argentino, e Camilo Cienfuegos, as quais avançam a província de Lãs villas.
Nesta zona já operam diversos grupos de combatentes, entre outros os do Diretório Revolucionário e o Partido Socialista Popular (Comunista). Em 20 de novembro, o Comandante em Chefe das tropas rebeldes, Fidel, dirige pessoalmente a batalha deguisa, que marca o começo da definitiva ofensiva revolucionária.
Em ações coordenadas, as já numerosas colunas de II e III frentes orientais vão tomando os povoados adjacentes para fechar o cerco sobre Santiago de Cuba.Che Guevara, em Lãs Villas, conquista um, após outro os povoados ao longo da estrada central e ataca a cidade de Santa Clara, capital provincial, enquanto que, por sua vez, Camilo Cienfuegos rende em tenaz combate o quartel da cidade de Yaguajai.
Em 1º de janeiro de 1959, Batista abandona o país. Formalizando assim o fim do regime militar cubano.
Em uma manobra de última hora, abençoada pela embaixada norte-americana, o general Eulogio Cantidio tenta criar uma junta cívico-militar. Fidel pede à guarnição de Santiago de Cuba que se renda e ao povo que façam uma greve geral que, apoiada massivamente por todo o país, asseguraria a vitória da Revolução.


Apenas instalado no poder, o governo revolucionário iniciou o desmantelamento do sistema político neocolonial. Dissolveram os corpos repressivos e garantiram aos cidadãos, pela primeira vez em muitos anos, o exercício pleno de seus direitos.
A administração pública foi saneada e se confiscaram os bens malversados. Desta maneira se erradicou essa tão funesta prática da vida republicana. Daí por diante a história, ou seus escritores se encarregaram de nos mostra sua versão da revolução e os frutos dela decorridos. Depois disso vieram os críticos que demonizaram Fidel, e talvez o tenham conseguido, mas como ele mesmo profetizou que a história o absolveria, esperamos que isso ocorra, ao que se sabe o povo cubano não juga necessária esta absolvição, ao que podemos perceber pela noticiação responsável dos fatos cotidianos da vida em Cuba, não conseguirão destruir a imagem popular de Fidel em Cuba, nem mesmo alegria de um povo que sofre, mas que pode orgulhar-se de uma liberdade conquistada a duras penas e com muito sangue derramado, verdade é que muito ainda deve ser melhorado, mas nem mesmo Fidel é tão monstruoso assim nem o povo cubano grita por socorro como a mídia irresponsável tenta alardear ao mundo que pouco enxerga e pouco deseja enxergar.





sexta-feira, 20 de março de 2009

O coração do guerreiro.

Quando crianças crescemos com os contos de grandes heróis que sabemos não existir, que conhecemos, não por suas fraquezas, mas pela ausência delas. São homens que não tem nada de humano, e talvez justamente por isso nos tornamos admiradores desses heróis que tão distantes estão de nossa realidade mortal, pois o mortal sempre deseja o que não lhe pertence. E assim passamos nossa infância cultivando esses sonhos que, sabemos bem, nunca projetar-se-ão numa realidade. A data em questão que traz à minha lembrança a presença desses heróis é o cinqüentenário da revolução cubana, que levou um povo a um status de liberdade nunca antes esperado. A data já tem uma força que por si só se explica, mas o herói que me serviu como mote para esse artigo chama-se: Ernesto Guevara, o Che. Esse por seu aspecto tão humano que como humano morreu, me fez admirar esses heróis que tem como características suas própria fragilidade, mas que não deixam de ser tão heróis. A vida me levou a conhecer um desses heróis ainda vivo: Sub tenente PM Nilsé.
Quero acreditar que cresci, quero não me enxergar mais como um menino, apesar de ter alma como um. Perceber que não sou mais criança e que os heróis que agora me cercam sofrem, choram, tem dores que eu mesmo não sei se suportaria, faz de mim um homem feliz, um homem que ainda crê em heróis, não apenas porque seja melhor crer assim, mas porque eles realmente existem. A dor pode fazer um homem melhor, pode transformá-lo num ser rancoroso, pode retirá-lo do seu posto de herói, como também dignificá-lo ainda mais. Essa superação da dor física, essa mitigação do corpo em prol do aprimoramento da alma, é próprio desses heróis modernos, desses heróis que nos povoam, fazem com tenhamos algo de heróico, pois precisamos estar prontos para o trabalho de recuperação desses heróis, como agora se faz necessário com esse herói urbano e tão humano chamado Sub tenente Nilsé, um homem que uma vida simples, mesmo ele não percebendo que os heróis nada tem de simples, são heróis e como heróis devem viver, pois como heróis serão lembrados. Alguns podem se perguntar por qual razão compararia este Sub tenente PM Nilsé ao conhecido como Che, e eu digo-lhes que razões não me faltariam para tal intento, mas o que de mais visível e latente nos dois, mesmo um sendo militar e o outro guerrilheiro, é sua obstinação, sua crença na vitória, sua esperança de levar a tropa pelo melhor caminho, seu desejo de fazer o bem sem precisar plantar mágoas pelo caminho, e traduzindo o trabalho dos dois, posso me utilizar, com toda licença poética, da frase do guerrilheiro: “ Hay que endurecer, sem jamás perder la ternura.” E se posso usar da empatia que é própria dos servos, sei que este herói moderno deve saber o peso que há em uma expressão somente sua: “só presta puto”.
Esses nossos heróis modernos, são tão humanos que sofrem, são tão humanos que não tem tempo a perder, são tão humanos que conosco compartilham suas dores como também suas alegrias, esses heróis humanos são tão heróis e não menos humanos.Passados 50 anos da revolução cubana, podem me permitir continuar acreditando em heróis, posso sabê-los tão humanos, posso estar dividindo, orgulhosamente, o mesmo espaço territorial com um desses heróis, e posso sentir sua dor e ajudá-lo a vencê-la como se, juntos, fôssemos para uma guerra e dela saíssemos vencedores, pois estarei do lado de um herói e me ensinaram, desde de criança, que os heróis, humanos ou não, nunca morrem. Passados 50 anos de revolução cubana, continuo sendo admirador desses heróis e de suas ideologias, continuo conhecendo-os tão humanos, mas não menos heróis. Que 50 anos mais se passem, que histórias continuem sendo escritas, mas que esses heróis que muito tem de humano, sobrevivam e saibam que não há mal incurável nem dor que dure para sempre, pois o sempre nem mesmo exist

domingo, 15 de março de 2009

Dandi ou flâneur, qual o papel da rua na formação da psique de Doryan Gray?

O dandismo de Doryan em nada difere dos mesmos praticados por contemporâneos seus e meus. A formação de um jovem playboy inglês é tão comum ao século XIX como são os atuais. Mas há entre os dois, em comum, uma importante e diferente atuação e participação da rua neste processo de formação da psique destes dandis. A rua, a grande musa destes dandis, tem um papel fundamental nesta formação por exercer um fascínio incólume sobre seus amantes.O seu amor pela rua pode ser velado ou exteriorizado, de forma plena, como é feito por João do Rio em seu A alma encantadora das ruas: “Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado fosse partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os prazeres, a lei e a policia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua”.(pág: 45)[2]A rua tem alma, rosto e cor. É tão palpável e tão mais cheia de vida que qualquer outro aspecto ou estrutura de formação de um dandi, ou flaneur para os franceses.No livro de Oscar Wilde essa mesma rua tem uma função própria e ao mesmo tempo incomum na vida de Doryan Gray, seu personagem principal e quase que um retrato autobiográfico. A rua ambientou sua vida, ou seja, ele esteve sempre lá, mas nunca fazendo parte dela. Ele não tinha a mesma natureza comportamental e filosófica da mulher cantada por um cançonetista de Monmartre, famoso reduto dos maiores flaneurs de Paris: ”Je suis la rue, femme eternellement verte, je n’ai jamais trouvé d’autre carrière ouverte sinon d’ètre la rue, et, de tout temps, depuis que c’est pénible monde est monde, je la suis...”[3] Ao contrário da mulher citada na canção; a rua para Doryan tinha a simples aparência de uma moldura, uma cenografia para o exercício íntimo de tudo que lhe parecia falseado pelos preceitos e preconceitos da época, o que em uma sociedade de maioria católica ou praticante de uma outra religião, como este era o caso de Doryan, tornava-se pecado. No texto de Wilde, encontra-se um certo Doryan que vê na rua algo de tão estranho que não se encaixava na sua prática filosófica de vida. Em certos momentos como no trecho: “Doryan Gray via distraidamente desfilar a torpeza sórdida da grande cidade”.(pág. 150)[4], nem conseguimos definir qual a relação de Doryan com a rua. Ele enxerga a rua como algo que não se enquadra no seu estilo de vida, algo repugnante, sórdido, vil e abjeto, mas ao mesmo tempo em que não aceita sua relação com ela, continua freqüentado-a e dela usufruindo. É biograficamente visível que Wilde se valeu de sua experiência íntima com a rua para dela extrair seu superego e materializá-lo em Doryan, pois se não o fosse como conseguiríamos definir qual das duas experiências tinha um teor mais crítico a respeito da rua? Doryan, por razões sócio-econômicas, convivia com a rua e seus particípes. Seus hábitos e costumes é que, em muito, lhe desagradavam por não se enquadrarem em regras de conduta que ele outorgava, mas ao mesmo tempo repudiava. A rua que tanto se traduzia em mazelas para Doryan, trazia-lhe a realização dos seus desejos mais ínfimos, pois como tudo que lhe trazia desagrado tinha em si algo de encanto. O que encantava Doryan na rua era a liberdade experimentada por seus convivas, liberdade essa que Doryan não encontrava em seu meio social. Assim Doryan desfrutava da rua, junto com alguns de seus comensais que embutiam em si desejos iguais, como cenário dos seus desejos mais ínfimos e torpes. Claro que a adjetivação desses desejos ficavam por conta dos conceitos relacionados anteriormente. A rua destina-se a tudo, a rua encaixa-se, conforma-se. Essa receptora de todos, transformadoras de alguns, destruidora de muitos e viúva de milhares, é o que nos interessa no texto de Wilde. Nesse processo de construção da psique de Doryan, Wilde busca na rua uma explicação, paralelamente à busca de uma aprovação, para as atitudes de Doryan. Por fim Wilde acaba por utilizar o quadro para justificar os distúrbios da psique de Doryan. Em um estudo realizado na década de 60, nos Estados Unidos, o psicoterapeuta Erik H. Erikson[5] discorre a respeito da formação de um adulto durante toda a adolescência. Para a formação dessa psique, Erik nos alerta quanto à importância da rua nesse processo de formação para a absorção e uma conseqüente dissipação de uma serie de informações e regras. Como o ser humano é provido de um ego (conjunto de características que formam o eu sujeito) e um superego (conjunto de características da formação do eu-íntimo ou eu-interior), é na rua que podemos tanto buscar a formação do ego como a fruição do superego. No texto e nas falas de Doryan, encontramos o comportamento de senso comum, onde há, por ele, a utilização da rua, tanto em espaço físico como espaço imaginário, como veículo fruídor do superego. Na rua era onde ele transmudava todos os seus pensamentos em ações intencionais ou não. O personagem inventado por Wilde, pois Doryan nada mais é que uma invenção do desejo de seu criador; necessitava deste veículo como a justificativa de uma subvida nascida de seu envolvimento com as artes, o que depois viera a despertar sua consciência com relação a essa utilização marginal da rua. Doryan não se encontra inocente, pois a rua a nada nos obriga; ela nos instiga, estimula e favorece, nós é que distorcemos suas dádivas. A relação de Doryan com a rua é quase leviana o tempo todo, Wilde não se interessa em relacionar seu personagem com a mesma. Essa relação leviana é o que desperta meu interesse, pois é com as informações fornecidas pelo autor em conjunto com o estudo profundo do trabalho de João do Rio (Paulo Barreto) da década de 20 sobre as ruas do Rio de Janeiro, que conseguimos entender em parte as distorções de caráter e traços de uma psique atordoada como a de Doryan. Pois há em O Retrato... uma relação alinhavada com a rua, há uma permanência da rua como uma constante no trabalho de dandismo desenvolvido por Doryan, essa relação parece ser velada com o único objetivo de tornar-la condizente com a situação socioeconômica da personagem em questão. Essa relação de estudo entre os dois trabalhos é o que me favorece quanto ao que devo esclarecer: a rua tem toda a sua magia, todos os seus encantos, todos os seus talentos e paixões, toda a sua cor e cheiro, só não há uma placa de aviso em sua porta de entrada, advertindo quanto a existência de seres inadequados em seu interior.




[1] Aluno do curso de publicidade e propaganda da Faculdade Integrada do Ceará, F.I.C..
[2] Do Rio, João; org. Raul Antelo. A Alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das letras, 1997.
[3] “ Sou a rua, mulher eternamente viva/e nunca tive outra alternativa/a não ser a rua e desde todo o sempre, desde/que este penoso mundo é mundo, sou...”
[4] Wilde, Oscar. O retrato de Doryan Gray. São Paulo-SP, Martin Claret,2007.
[5] Erikson, Erik; Adolescence et crise- La quête de l’identité.Paris: Flamarion,1972.

Memorial de uma meia-vida-inteira.

Nasci para ser e não para ter. Nasci como uma promessa e vivo como deve viver uma promessa: sempre pronto a causar uma surpresa ou mesmo desgosto. Prefiro causar surpresa, mas me agracio quando me reduzo a desgostos, pois assim me afirmo como ser único e individual, mas nunca individualista. Não como o ser que eles querem ou buscam em mim, pois a única batalha que devo travar durante essa meia-vida-inteira é mostrar-lhes que não sou um erro ou uma promessa falha; pois se assim o fosse eles deveriam se envergonhar com sua própria imagem, pois sou o que sou, seu produto cuspido ao mundo e por ele completado, usado e consumido, mas muito mais aproveitador que aproveitado, pois o que carrego desta meia-vida-inteira é o que usurpei, consumi e mastiguei do que me foi oferecido durante esta que deveria ser longa como uma promessa, mas foi apenas o que se esperava de uma meia-vida-inteira. Não que ela se reduza ao fim, ao meu desaparecimento de suas vidas, pois sei que sou uma coisa eterna, ou pelo menos me tornarei coisa quando for para o desconhecido. Serei uma coisa lembrança, ou coisa lembrada. Questiono-me o tempo todo sobre quando me tornei coisa para mim, pois para eles só o serei quando me tornar apenas uma lembrança, aí serei a coisa lembrada, para alguns a coisa marcada na pele, mas não menos coisa; o que eles não sabem é que fui coisa durante toda a vida, a coisa quista, a coisa consumida, a coisa usada e que deu-se ao uso, deu-se quando quis e quando não quis foi tomada. Talvez não tenha sido eu a mesma coisa que foi Carlos Drumond de Andrade, mas fui e agora sou a coisa quase tão eterna quanto é o mesmo Drumond. Essa coisa que agora sou; é apenas o fugidio lapso do que sei que realmente sou, é o algo e talvez o mesmo IT, assim mesmo em maiúsculo, que Clarice tanto privilegiou como algo sem formato e sem matéria e que agora percebo que esse mesmo IT sou eu. Enquanto coisa consumida sou tão dono de mim quanto dos outros, pois me doei tanto a eles como os consumi, talvez só eu sabendo que eram coisas enquanto achavam que não eram e que consumiam algo que imaginavam ser matéria, mas que era só coisa o tempo todo. E aí sei que mora a melhor parte da história da coisa que sou. Foi quando me percebi coisa (ou será que me forçaram a perceber-me assim?) que pude disfarçar minha vergonha em enxergar-me como tal e usar do total desconhecimento alheio como coisa para utilizá-los e oferecer-me a eles como ser e não como coisa. Nos caminhos mais disformes que a vida me ofereceu, foi onde pude enxergar que mesmo eu como coisa posso ter forma, gosto e cheiro, e compreender-me assim como uma coisa, mas uma coisa de natureza toda íntima. E era essa mesma natureza que lhes oferecia, mas que nunca foi percebida, porque a única realidade que queriam era a minha realidade como coisa e não a natureza íntima, personificada na coisa que sou e que agora depois de morto, tornou-se coisa eterna. Essa coisa eterna que agora ri dos que o tiveram e se entristece pelos que não o tiveram, como a mãe que pranteia seu filho tão rebelde, mas não menos querido. Ouçam-me bem queridos, para depois não me acusarem de leviano. Lhes falei essa verdade o tempo todo, se não me ouviram, são os únicos culpados. Se não me quiseram perceber, arrependam-se agora que o tempo lhes tem por inimigos, pois fui tudo que queriam como coisa e vou-me agora como coisa que tomou vida, e as ilusões que tinham a meu respeito, tornaram-se uma promessa sem data, uma esperança que agora é tão eterna quanto as promessas não cumpridas. A busca que deveria ser unicamente minha, eu a dividi com os que resolveram me usar. Dei-lhes a oportunidade de um sentido em uma fração de segundo, deixei que tivessem em mim o que nunca lhes foi possível em sua vida medíocre e covarde. Aí consegui entender como me tornei coisa, pois foi assim que me percebi consumido como um produto, assim me enxerguei como arrastado de uma gôndola para uma ação de consumo. Minhas qualidades tornaram-se fundamentais a partir do momento em que me dei a perceber como diferença, como atributo do que lhes faltava, como a vergonha do que eram, ou do que pretendiam ser. Assim passei de um estado de busca contínua para um estado de percepção contínua, encontrei-me enquanto coisa quando queria encontrar-me enquanto pessoa. Não me enojo de tudo, ou mesmo paro para me castigar pelo que me ofereci enquanto produto, pois como esse relato sem parágrafos, minha vida foi tão contínua que não me dava ao luxo de me arrepender da estultícia alheia, não só alheia a mim, mas aos seus condutores. Não há nada de ruim em se aproveitar de quem só te quer enquanto coisa! Há? Se algum dentre vós discorda de mim, transforme-se agora, deixe que vos usem sem deles nada aproveitar, e quando encontrarmo-nos relatem-me o que aprenderam de vós mesmos. Certamente nada, pois nada se aprende, que não seja por usurpação; as relações de troca inexistem nesse processo de aprendizado. Enquanto coisas, eles nos querem tudo; mas oferecendo-lhes o que pensam ser nossa completude, baixamo-lhes a guarda para que deles possamos tudo usufruir e roubar. Isso se aplica a tudo, em todas as relações, em todas as buscas e, principalmente, em todos os desejos. Não que os desejos não se permitam às relações pessoais, mas há ainda a verificação da coisificação do sujeito, há, em alguns casos, a busca do saciamento do desejo e não a busca por permanência do mesmo. Deixe-me explicar-lhes: enquanto coisas somos objeto de saciamento de um desejo, somos produto desse desejo nas relações baseadas só no desejo, mas nas relações pessoais podemos tornarmo-nos produtores desse mesmo desejo, aí se encontra o fundamento de não nos oferecermos como coisa e sim como seres. Durante minha passagem por esse burlado sistema de seres coisificados, compreendi que, enquanto coisas, podemos mais que enquanto seres. Isso não faz do mundo um desperdício total, faz dele uma insignificância projetada pelo nosso posicionamento nessas relações de troca, sejam permissivas ou não. Em minhas relações de uso e abuso, pois não me identifico como ser partícipe de relações de troca, não me doei, ao mesmo tempo em que os consumia, apenas os consumi até quando não me ofereciam por completo. O mundo que construí enquanto coisa foi-me favorável, deu-me tudo que dele eu queria, e o que não me dei, eu tomei. Tomei, não por empréstimo, mas por usurpação, pois não me foi oferecido. As falências do que se tem são assim como as coisas que não se conseguem ainda em vida, tornam-se eternas lembranças de coisas passadas. Não me sinto mal por ter usurpado tanto e me oferecido tão pouco, não me condeno por pensar que o que lhes ofertei tem uma valoração maior que o que lhes usurpei. Isso não é um “mea culpa” muito menos um pedido de perdão, isto é um relato do que vislumbro do meu passado, feio para uns, brilhante para os menores. É a colocação sem nexo, sem coesão do que tem sido a personificação, os usos e abusos dos seres enquanto coisas. Que isso possibilite um choque de realidade em seres que não se reconhecem enquanto coisas, ou que preferem não se afirmar assim. Que essa constatação possa fortalecer a necessidade totalmente humana de consumo de si, e consumo do alheio, que esse discurso possibilite uma liberdade para esses seres que tem como abrigo sua vergonha, essa vergonha que é o seu próprio conceito de moralidade. Uma moralidade que lhes serve como arma de defesa, como mola de uma urdidura que lhes convém manter sob pena do fim do protecionismo social. Não me percebo como tal, não me quero, mesmo quando coisa, ser alinhado a esses seres que me enojam, que me fazem ruborizar, até mesmo quando coisa. Tenho medo de perceber que vivi tanto tempo entre eles e consegui não findar esta atitude compartilhada por seres tão desequilibrados, tão questionáveis como coisas e inaceitáveis como seres. Não há um ponto ou mesmo uma virgula de arrependimento nesse relato, não há um posicionamento afirmativo de que o que falo é a profecia do que somos, até por saber que esses seres jamais se permitiriam reconhecer-se em minhas palavras, não me atrevo a condicionar-lhes ao que falo, mas falo mesmo assim, para que no momento oportuno, estas linhas cheguem ao conhecimento dos interessados, elas mostrem o que sabem, mas que talvez não queiram reconhecer. Passei por aqui meus queridos, fui tudo o que sois, vivi como vivem, mas de tudo me aproveitei, e de todos mais ainda. Ouvi a palavra que esses seres pensam traduzir toda a positividade do ser humano, sujeito ou coisificado; essa palavra veio a mim com muita pureza, dos lábios sábios de minha querida progenitora, mas quando veio coisificada ele nem mesmo sabia que falava enquanto sujeito e isso me obrigou a rejeitá-lo, pois não me permito ser amado por alguém que trata com leviandade seus próprios sentimentos. Não fui melhor ou pior, não fui menos partícipe desse jogo que os outros jogadores só me recusei a mostrar-me como inconsciente. Por isso agora me coloco como algoz dos que de mim pensavam usuários. Poderia aqui citar nomes vários, mas não é minha intenção emparedá-los, mas apenas informá-los que enquanto pensavam-se usuários, eram só objetos do que de mim era em mim tão notável. Tenho muito de gratidão para com os colaboradores dessa minha interferência nesse espaço, que se dignou a me oferecer uma experiência tão marcante que precisou ser mantida em registro para que, como sempre fazem, possam ter mais um para chacotearem como louco. Isso será permitido! Permito-me a isso, para que assim possa manter-me mais uma vez como coisa e permitir que mais uma vez não me enxerguem como sujeito, como natureza toda intima. Escuta agora teu coração, se ele bate, deixe que o vejam, como eu deixei que vissem o meu por toda a minha meia-vida-inteira. No tocante a esta, que foi a melhor experiência que se pode ter enquanto humano, tenho uma merecedora gratidão aos que comigo conviveram, pois sei que desses, eu obtive o melhor e a eles dei-lhes o melhor de mim. Não se assustem meus queridos, a vida não é tão terrível quanto eu vos configuro, mas quero que aprendam a dizer a verdade, não digam que amam quando só querem sexo, não chamem de belo o que só seduz o seu sexo, compreendam-se, revelem-se, eu vos conheço capazes disso porque vos amo, amor esse que me ensinaram a reconhecer, e que agora espero que me retribuam, vivendo como quero que vivam, não me tendo como comandante de suas vidas, mas como lembrança eterna que a felicidade pode ser vivida sem mentiras. Reconhecer-se enquanto coisas é a melhor maneira de começar a perceber que a verdade é ótima para comandar as vidas de todos nós, por mais vergonhosa que ela seja. Deixem para os tolos o pensamento egoísta que só é usado, quando o uso é mútuo. Assim eles continuarão a ser o que são, enquanto vossa evolução será gradativa e completamente prazerosa. Aconselhando-vos estou apenas cumprindo meu papel nesta meia-vida-inteira, estou apenas oferecendo-vos uma oportunidade de sobrepujar os idiotas que não conhecem os segredos dessa vida sem segredos. Quem nunca ouviu outros falarem não quando querem, simplesmente, dizer sim. Isso parece ser uma das regras de praxe desse nosso “status quo” de aparências, em que se tornou o modo de viver ou de sobreviver nessa selva. Desde que comecei esse relato temo a cada letra sobre o que posso estar transmitindo, mas como meu intento é relatar o que verifiquei durante minha passagem, devo correr o risco de parecer niilista, Albert Camus que me ajude. Meus queridos, a morte que se oferece a mim, como uma noiva sem pudores, é apenas o auxilio para quem deseja contribuir com o caminhar de uma sociedade, que parece ser de uma leviandade incrível. Essa mulher que me rodeia, parece me culpar por algo que não sei o que, parece odiar minha liberdade, parece querer-me pra ela já que não sou de ninguém. Mal sabe, pobre mulher, que continuarei a não ser, e a não pertencer a nenhum de vós, nem como coisa ou mesmo como natureza toda íntima. É a primeira vez que, nos meus últimos dias, tenho uma dor em escrever, tenho um medo que tudo que digo possa ser minha mais completa perda de sanidade, mesmo assim quero não saber, quero apenas senti-la, como fiz durante toda essa meia-vida-inteira. Quero o devaneio, quero dar-lhes um motivo para pensarem-se sãos, quero ser o referencial da sanidade, quero tudo que lhes aflige, quero o medo que é deles e que me faz superior. Quero ser a vergonhosa verdade que traz ao mundo a sujeira de sua própria falsa imagem. Quero manter minha natureza toda íntima entregue nas minhas relações pessoais, mesmo quando eles não a reconheçam. Quero permanecer em suas memórias mesmo enquanto eles negam a minha permanência. Quero ser tudo e ao mesmo tempo o nada. A minha visão de mim mesmo como coisa coisificada é a mesma visão que tenho deles, essa mesma visão que a eles traz alegria, mas que a mim me enoja. Permanecer assim durante toda a vida é, talvez, subtrair a verdade para eles e torná-los mais confortáveis em sua ignorância, mas é, também, a possibilidade de tornar-me um tirano enquanto os mantenho em ignorância quanto a nossa natureza coisificada. Pode parecer que eu me coloque como um ser superior, mas quero que saibam que não o sou, sou tão fraco e vulnerável quanto todos vós, a questão é que levo mais tempo da minha meia-vida-inteira me questionando quanto aos acontecimentos desta. Sou algo entre a coisa e o observador da coisa, e na maioria das vezes sou algo que interfere na coisa. Sou um ser que também tem noites de insônia que são gastas com estas mal traçadas linhas; que pra alguns não tem utilidade alguma, mas que, espero, possam modificar a vida de alguém de uma maneira positiva. Pode parecer pretensioso querer modificar a vida de um ser, mas vidas são modificadas o tempo todo, seja pela força do amor ou pela reconstituição das dores. Talvez seja chegada a hora de findar este grito mudo de alerta; mas aguardo das longínquas moradas onde agora me encontro, que isso tenha uma validade atemporal para os que sofrerão com mais intensidade as pressões de uma vida coisificada. Sinto pelos que tem em suas mãos esta longa jaculatória e não sabem o que fazer dela, e sinto mais ainda pelos não a tem. Não enxerguem minha prece como uma pretensiosa bula para suas vidas mais como uma visão oposta ao que tendes como guia. A melhor maneira de findar esta prece seria informa-vos que isso veio a mim como um assombro, que isso me fere tanto como pode ferir os mais puros, mas não acredito no arrependimento, não creio em lamurias, não as conheço. Tudo que vedes nestas palavras é um imenso desejo, um desejo que tenham armas para contrabalançar esta meia-vida-inteira que parece nascer programada. Espero que consigam perceber-vos como consegui perceber-me a mim. Mas perceber-me assim, foi tão doloroso como o foi anunciar-vos esta descoberta. Esta é sem duvida minha melhor obra, meu melhor empenho, meu mais proveitoso tempo gasto, minha percepção que esta meia-vida-inteira foi a mim muito proveitosa. Esta confissão em obra aberta não me torna frágil nem mesmo covarde, pois ela esteve em minhas palavras sempre que pude expressar minhas angustias; mas palavras são como o vento, vão tão rápido como chegam e quando retornam não tem mais o mesmo sentido que tinham antes. A anacrônia pode parecer a minha mais latente qualidade percebida, mas é sempre meu sinal mal interpretado por quem possui o atrevimento de fazê-lo, pois vivi em meu tempo tanto quanto qualquer outro ser, sendo que sempre me recusei a coisificação, o que parece fazer-me assim uma interposição no tempo e espaço, que se recusa ao reconhecimento de seres que não se permitem como coisas. Nessa alocação tempo-espacial, na qual vivi, vi guerras e alianças de paz que logo se tornariam os estopins de uma nova guerra, e nesse processo contínuo vi a guerra da coisificação dos sujeitos, uma guerra tão violenta e mais destruidora que qualquer guerra armada, pois nestas aprendemos a sentir saudade já que não teremos um corpo físico que de alguma forma nos trazia tantas alegrias; enquanto neste mundo de seres coisificados somos obrigados a conviver com uma mudança desagradável dos que antes amávamos e vimos tornarem-se nessa draga consumidora de efemeridades, e fica difícil perceber que o mundo não é uma merda, apenas cheira muito mal. Talvez tenham uma opinião diferente da minha, mas sei que um dia perceberão o que percebi; e rogo a qualquer força que não conheço que sua dor não marque sua carne como a minha o fez. Não sou um anjo salvador que veio salvar-lhes de um castigo iminente, espero que assim não tenha me apresentado até este momento, pois se o fiz não foi de maneira intencional. O que quero que percebam é que este comportamento que adotam, mesmo que inconscientemente, está longe de ser um comportamento benéfico, se é que ele existe. Se pararem um pouco poderão perceber que suas vidas não se alteram, a alteração ocorre em um espaço físico e no final suas vidas se mantêm num extremo vazio. Esse vazio, por mais que não acreditem, eu nunca o percebi; nunca o percebi pois a minha completude estava sempre em mim e não em outras pessoas ou coisas. O que quero dizer com isso é que a culpa de sua solidão é somente sua, não adianta tentar resolvê-la com supérfluos que podem ser vendidos como paliativos, mas nem mesmo pra isso servem meus queridos. O mundo nos percebe como coisas e em coisas nos transformamos, pois tornarmo-nos perceptíveis é o que todos queremos. O que não acreditamos, ou o que pensamos ser impossível, é que possamos ser percebidos como não-coisas ou como seres não-coisificados. Como vos falei anteriormente, penso que este relato só chegue ao público, ou a coisa pública, quando nesta estação coisificada eu não mais estiver ou pertencer; então devo relatar-lhes que durante um certo período também pertenci, ou assim fui forçado a pertencer, a este mundo de seres coisificados, e vi meu semblante tornar-se mais límpido, meus ouvidos ouvirem com mais clareza, pude amar com mais intensidade, pude oferecer minha natureza toda íntima, quando comecei a perceber minha natureza toda íntima e descartar-me de uma natureza coisificada que só aos outros agradava, que só a eles se doava e a mim tanta dor causava. Agora consigo amar até os seres coisificados e eles me amam mais por sentirem que os amo de forma diferente que o sentimento que a eles é doado. Sou uma natureza toda íntima que se oferece, mas não como oferta coisificada, pois me ofereço completamente de graça. Agora sou todo amor, mesmo quando uso palavras feitas pra cortar e ações feitas pra machucar. Essas palavras e ações têm seu poder de dor, tem seu ardor e sua ânsia de ódio, mas podem ser utilizadas para um fim benéfico. Sei que deve parecer estranho que agora tenha em minhas palavras um tom de proselitismo, mas é isso mesmo que acontece, essa é minha intenção proposital; proselitismo é tudo que posso fazer com o que a mim foi dado gratuitamente: a percepção da minha natureza toda íntima. Assim desejo a sua percepção, a visão de si mesmo, o abandono de sua natureza coisificada, para que percebam o quanto é melhor nos darmos de forma inteira sem desejar que o outro ofereça também uma natureza toda íntima, pois só, e somente ele, perderá com essa relação de troca desigual que se estabelecerá de agora em diante. Estes seres que acreditam num discurso normativo, que o seguem de uma forma religiosa, o fazem quase que de forma imperceptível, e têm uma alegria torpe, tão fulgáz quanto seus momentos de alegria coisificada. O meio que se utiliza desse discurso normativo pode parecer medonho, mas os seres que a ele se submetem são mais ainda medonhos, pois podem buscar meios de vencê-lo, mas não o fazem por pura comodidade, vão preferir sempre que alguém decida o que comem, o que vestem e o que devem sentir e como sentir. Assim a humanidade vai parecer não ter solução, assim terei que sentir ainda dor em cada letra que coloco neste papel que tem me dado tanta dor. Essa dor tem um gosto de azedo que me fere o estômago e entristece minha alma. Sei que a vida não é tão tormentosa assim, mas a mim não agrada enxergar a vida falsamente, ou percebê-la com olhos cheios de alegria, quando ela me dá tantos motivos para chorar, se nunca o fiz, ou o faço pouco, garanto não ter sido por covardia ou machismo, mas por uma imensa tristeza que não abria espaço nem mesmo para o choro. Comento mais uma vez que não me encontro, ou me enxergo, como um ser perfeito, isso apenas é uma maneira de dizer que a mim me parece horrível não sentir igual, não fazer igual aos outros, não entendo como podem exigir tanto, solicitar tanto que os outros sejam verdadeiros, que não mintam, quando a verdade os põe rubros, esse rubor transforma-se em mácula quando a verdade vai contra o próprio desejo, quando ela os faz perceber que o desejado era o improvável. Durante esta meia-vida-inteira sempre deixei bem claro aos meus que não menti um só momento, amei quando disse que amava, tive medo quando disse ter medo, me entristeci quando tive ódio, mas sempre fui verdadeiro, pena que algumas vezes não me deram ouvidos por terem medo da verdade; antes de tudo, uma verdade que era minha e que não os obrigava a aceitá-la, mas lhes vedava os olhos devido a vergonha que tinham do desconhecido. Se desejardes, meus queridos, poderemos falar sobre esse desconhecido, um desconhecido tão conhecido, digamos conhecido politicamente, pois a nossa educação politizada nos ensinou sempre a falar a verdade e que essa verdade devia guiar-nos por toda a vida, mas a mesma vida, a vida bandida, a vida ordinária, se encarregou de nos ensinar que a omissão ou a mentira são as únicas vias possíveis de sobrevivência nela mesma, porém eu vos garanto que não, digo-vos que fomos enganados, que essa vida madrasta o fez por conveniência dela mesma. A verdade, mesmo quando usada para enganar é sempre a melhor maneira de sobrevivência. É dela que nos valemos, ou ao mais, devemos fazê-la. Da mesma maneira que Leoni o fez quando escreveu a música “como eu quero”, ou como Cazuza quando escreveu “exagerado”, a verdade pode nos macular por toda a vida, mas devemos usá-la sempre, devemos informar, principalmente em nossas relações pessoais, quando queremos apenas sexo, ou quando desejamos o outro por toda a vida, mesmo que percebamos que a resposta não será positiva. Essa forma de viver verdadeiramente, ou de sabê-la verdadeiramente, é o que pode nos fazer melhores, menos coisificados, menos seres de um mundo que prece querer-nos assim. Não lhes digo que seja fácil, ou que devamos fazê-lo o tempo todo, momentos haverá que deveremos omitir, calar-nos, para que possamos sobreviver, manter-nos vivos para uma segunda investida. Isso se adapta a todo modo de vida, a todo aspecto. Esse relato não tem a pretensão de um novo tratado sociológico, mesmo que assim o pareça; diferente deste, aqui tenho uma opinião postada, tenho uma verificação unicamente minha, e que percebo ser usual, que enxergo como possível a todos que não entendem como o mundo tem deles se utilizado sem em troca nada receber. A observação do ser coisificado e inobservância de sua natureza toda íntima é o que nos deixa imóvel ante a ação contínua da população de massa. A criação, ou a popularização deste conceito de massa não nos obriga a ele pertencer ou nos manter escravos dele; para que isso não seja possível devemos nos manter atentos à nossa natureza toda íntima, devemos atentar para nossos sentimentos, desejos e ações, sem nos preocuparmos com o que nos enfiam goela abaixo, desafiando nossa própria vontade, nossa indelével capacidade de decisão. É para isso que devemos ser verdadeiros, devemos observar sempre essa nossa natureza toda íntima, que nos faz tão diferentes, e por isso tão razoáveis; tão princípios de uma alegria geral, de um prazer externo, tão naturais como essa nossa natureza toda íntima. Espero não me mostrar prepotente neste relato, não sou uma experiência que deu certo, não sou o remediado nem mesmo a cura para a natureza das coisas coisificadas, não quero parecer assim. Não se enganem, pois eu já amei e não fui amado, já chorei vendo fotos dos que se foram, já olhei por muito tempo com os olhos fixados em uma pessoa errada quando quem me queria estava bem do meu lado. Já posei de dono da situação quando apenas era usado, já paguei pra ver quando o jogo estava completamente perdido, já me dei por vencido quando ainda dava pra lutar, já resisti quando o jogo estava perdido e muitas vezes continuei lutando quando não sabia pelo que lutava; enfim, demorei muito para enxergar minha natureza toda íntima e dela usufruir, cheguei até aqui depois de muita dor, mas tudo isso valeu à pena, tudo isso me fez o que hoje sou, tudo isso me deu propriedade para relatar o que sei, o que vi, e como sobrevivi. Por isso não se enganem pensando que sou melhor que qualquer um de vós, não me dêem tanta prepotência, pois não a tenho nem por mérito nem por direito, nem mesmo a quero como prêmio. Sou apenas alguém que parou para se observar antes que o fizessem, e isso o fiz na hora certa. Fui seduzido por esta meia-vida-inteira, fui envolvido por ela quando não devia, fui sobrepujado por ela quando não resisti, me entreguei a ela quando me agradou, me perdi em seus lábios quando fechei meus olhos, e por isso não me percebo menos culpado. Observo-me agora como alguém se percebeu antes que o fim chegasse e que se mantêm odioso dos que não o querem fazê-lo, dos que se percebem coisificados, mas não se acreditam massa-de-manobra. Pensam-se superiores ao status quo desse nosso cotidiano, desse nosso mundo de seres coisificados. Enquanto isso ocorrer, enquanto formos seres públicos, publicados, fatos de uma publicidade irresponsável, nos manteremos coisificados. Faremos parte de uma teatrologia armada, continuaremos indo ao circo para torcer que o leão coma o domador, para cruzar os dedos esperando que trapezista se arrebente no meio do picadeiro, continuaremos a acreditar que não é nossa culpa esse jogo político do qual participamos como coadjuvantes, e diremos a todos que não armamos esse circo nem mesmo sabemos de onde ele veio. Os que filhos têm continuarão a se perguntar que mundo deixarão para os seus. Alguns escolherão não ter filhos apenas por covardia não perceber que a cura para isso tudo está em si mesmo, ou deixarão que os seus filhos encontrem essa resposta, essa maldita e ingrata resposta.
[1] Meu devaneio durante a metade da minha graduação, nesse processo dos meus estudos sobre comunicação estou mais preocupado com o que tenho feito da vida alheia que com minha própria vida, pois sei que tudo é construído em coletividade, na individualidade só construímos a solidão e felizmente esta eu desconheço.

O ateísmo.

Nessa primeira postagem definiremos a força que se apregoará neste nosso mamulengo. Não terei nenhuma pretensão de redefinir pensamentos ou mesmo de criar uma nova ordem, mas quero abrir espaço para discussões apoliticas, e por consequencia não religiosas, para isso me utilizarei das definições do escritor paranaense, Arthur Virmond de Lacerda: "...ateu é quem não crê na existência de um ser superior...( )...é quem nega a existência de Deus...( )... é quem rejeitando as soluções da teologia, ocupa-se de suas questões." (Provocações. Ed Vila do príncipe-2004)